24 de jan. de 2010

Clausura

(da série de textos perdidos)

          Estou só. Neste apartamento moram cinco pessoas e eu estou só. Convenço-me de que, realmente, se pode estar sozinho, mesmo com pessoas dormindo na cama ao lado, no quarto ao lado, no apartamento ao lado.
          Antes, estar só era uma terapia; era encontro, era evolução.
          Hoje, estar sozinho é me encontrar longe de mim mesmo.
          Não há pessoas, conversas, nem entendimentos. Não há amizade, carinho, afago, música...
          Não resta muita coisa: amargas lágrimas depositadas sobre o travesseiro, à noite; a dor física, a dor psíquica; a música cansativa em um rádio emprestado; a cama arrumada; a parede fria; a janela fechada; o dia-a-dia maquinal; a maldita responsabilidade; o desprezível compromisso diário com as obrigações sociais, com os encargos, com lixos comunitários, com a minha insignificância.
          Aqui é ninguém a me ouvir, é sem voz para gritar, é incapacidade de fazer alguém feliz; é apenas estar só e longe. Não há abraços, não há sinceridade, não há humanização. Somente a obrigação de se cumprimentarem uns aos outros com o tradicional e ensaiado sorriso matinal, agradável, frio.
          Estou só, tão só, que até sem palavras fico.
          São fases.
          Um dia passa.
          Um dia acaba.
          Um dia...

(15/05/1984)
Escrito no mesmo dia do anterior, talvez logo depois. Acho curioso ler esses textos agora e ver que eu me sentia tão vazio, porque todas as memórias que tenho de 1984 são absolutamente felizes. Conheci alguns dos melhores amigos paulistanos nesse ano. Pus à prova tudo que eu havia aprendido sobre viver até aquele ponto. Foi fascinante, gratificante e incrivelmente compensandor. Só o tempo para nos fazer entender esses momentos, não?

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