27 de mar. de 2011

A materialização da ausência

Eu comecei a escrever este post algum tempo atrás e não consegui terminá-lo. Mas achei por bem publicá-lo assim mesmo, inacabado. Talvez eu o complete depois, mas não é nada certo.

          No dia 5 de novembro de 2010 minha mãe faleceu. Não resistiu a um AVC hemorrágico (o segundo em 10 anos) depois de ficar internada na UTI por cinco dias. Cinco dias em que minha vida foi subitamente suspensa e em que permanci ‘planando’ sobre acontecimentos e decisões que não pareciam estar sendo vivenciados e tomadas por mim.
           Há algo de absoluto na morte que, por mais que saibamos de ‘ouvirmos dos outros’, só se concretiza quando acontece conosco. Algo muda em nossa percepção do mundo, das coisas – concretas e abstratas – que nos rodeiam e permeiam. Para mim, talvez o mais impressionate tenha sido a materialização da ausência. Explico: durante todo o processo, da internação à remoção do corpo e seu estabelecimento na capela do cemitério, havia a materialidade do corpo físico. No hospital minha mãe estava inconsciente, como a encontrei e como permaneceu até depois de ter sido tirada a sedação. No velório havia seu rosto concreto, suas mãos cuidadosamente colocadas sobre o peito, seu sono final coberto de flores brancas, seu corpo vestido com a roupa que eu mesmo escolhera em seu guarda-roupas – tudo visível e palpável. Até o momento em que, privado dessa possibilidade de contemplação pela tampa do caixão, sua imagem real começou a evanescer e sua materialidade finalmente começou a se desfazer. Quando, depois de baixado à sepultura, colocam as lajes que sustentarão a terra e a grama, compreendi que não haveria mais o que ver daquela presença: sua ausência se materializou. Nunca a ausência tornou-se tão significativamente concreta como naquele instante. E nunca sua concretude foi tão dolorosa quanto no momento em que, de volta à casa, enfiei a chave na fechadura para contemplá-la. Foi nesse momento – só nesse momento – que todas as emoções que eu até então conseguira guardar para preservar os familiares que visivelmente estavam muito abalados com a morte de minha mãe, finalmente extravasaram. O abraço vazio e silencioso da ausência liberaram o que eu havia represado até ali. Foi um choro de constatação da inevitabilidade, do irreversível, do que é quase incompreensível. E passou. Como um surto. E veio-me a calma – a mesma que me acompanhara durante todo o processo e que só ali eu começaria a compreender…
         

3 comentários:

  1. Sei como é.Meu primeiro contato com a morte foi quando meu avô materno faleceu. Eu tinha dez anos. E diante desta ideia- "nunca mais verei meu avô" - eu entrava em estado de desespero. E subitamente me acalmava, como se "algo" não-físico me consolasse. Uma sensação muito estranha que se repetiu quando meu avô paterno morreu. Talvez seja um afago invisível das mãos que um dia nos guiaram.

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  2. Flavio,

    Há 25 dias minha amada e inesquecivel mae foi chamada de volta ao Pai. Deus escolheu um AVC hemorragico fulminante. Aos 58 anos de idade e tao cheia de energia. Mas Deus tinha um outro proposito pra ela. A dor é gigante, mas Deus precisou dela. Eu tenho buscado alguem que tenha passado pelo o que estou passando e acabei procurando no google e me deparei com seu depoimento que refletiu exatamente o que estou sentindo. Se quiser me adicionar no Facebook para que eu possa lhe passar meus contatos para que, quem sabe, podermos trocar ideia sobre esta dor e nos consolarmos, responda a este post e lhe passo..

    Grande abraco e que Deus nos de forca.

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  3. Clayton, lamento por sua perda e espero que você consiga encontrar consolo no tempo, que é um mestre sábio.
    Estou indo à casa de minha mãe pela primeira vez desde sua passagem nesta segunda-feira. Fique à vontade para me adicionar no FB (Flávio Moreira).
    Que Deus o abençôe e dê a capacidade de superação para que, passada a dor, fique apenas a saudade.
    Abraços,
    Flávio

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